O Piloto e o Leme – as desventuras de um par de amigos

Seja humano ou automático o Piloto é quem nos guia. Ele e o leme fazem uma parelha de acção-reacção: por um lado o piloto dá ordens ao leme, mas este, mais sensível ao estado do mar e do vento, dá feedback ao piloto. Esta intima interacção vai além da mecânica chegando por vezes a ter carácter de folhetim.

No Cruzeiro à Macaronésia, houve momentos em que o Piloto e o Leme se desentenderam. O Leme achou que o trabalho estava a ser demasiado e deixou o Piloto a navegar sozinho. Resultado: momentos de aflição e interrupção do Cruzeiro até se fazerem as pazes, 1 mês depois. (clique Leia mais ... para ver o artigo completo)



Texto de Alberto A. A., Outubro de 2008:

1º Episódio: Avaria no motor do Piloto Automático
Cruzeiro à Macaronésia no Verão de 2008, 4ª perna do percurso de regresso a Portugal no dia 7 de Agosto, a tripulação era constituída pelo Miguel, Paula, Alberto, Miguel C. e Rui.

O Wilma zarpou da Marina de Porto Calero em Lanzarote por volta das 10H00 com vento fraco e ondulação acentuada. O nosso destino era directo a Portimão ou passando por Porto Santo, dependendo das condições de tempo que fôssemos encontrar mais à frente. Na madrugada do dia seguinte, por volta das 02H00 e já depois de termos passado a Ilha Graciosa, que é a que se situa mais a leste do arquipélago das Canárias, o nosso piloto automático não aguentou o esforço para corrigir tantos obstáculos ao avanço, tais como o vento e as vagas que nos alcançavam pela proa e passou-se literalmente dos carretos. De imediato a “equipa de manutenção” permanente tomou conta da ocorrência para constatar que a avaria não tinha solução imediata. O consenso de regressar a Lanzarote foi geral, estávamos a cerca de 120 milhas, tendo em conta o cansaço e desapontamento eram unânimes e estava expresso nos semblantes da tripulação. Já de regresso, fizemos turnos de uma hora ao leme do Wilma, e todos concordaram numa escala técnica na Graciosa onde dormimos o sono reparador que todos ansiavam, tão agradável que até ficámos lá mais um dia.

2º Episódio - Avaria num dos cabos de transmissão do comando do Leme
Partimos da Graciosa manhã cedo, dia lindo, quando alterámos o rumo para Lanzarote (Oeste) tínhamos tudo a favor. O vento de popa e vagalhões pela alheta de estibordo, eh eh eh! Aquilo é que foi surfar mas, com a entrada de uma vaga maior o Wilma começou a descer em diagonal, ameaçando atravessar-se à onda e o timoneiro ao contrariar na roda de leme essa tendência...e “ trás” ouviu-se um grande estalo para espanto e susto geral mas, tudo ficou bem após alguns ajustes no rumo e nas velas. De maneira que continuámos a viagem já sem tanto entusiasmo mas, a segurança está sempre em primeiro. No dia seguinte, depois de entregar a responsabilidade da reparação do piloto automático a um técnico local para substituir as rodas dentadas danificadas, regressámos todos de avião a Lisboa excepto o Rui Rodrigues que apanhou boleia do veleiro “ Bijou”.

3º Episódio: Reparação do Piloto Automático e do cabo transmissão do Leme
A equipa que regressou a Lanzarote um mês depois para tripular o Wilma na viagem de regresso a Portugal era composta pelo Comandante e Skipper Eduardo, 2º Comandante e Oficial de Cozinha e Manutenção Alberto A.e 3º Comandante Rui R. Oficial Polivalente (sem esquecer o chá). Ao chegarmos já o piloto automático estava reparado mas tal não bastava. Procedemos ainda á reparação de um dos cabos de transmissão do comando do leme que no tal “trás” do mês anterior tinha ficado danificado, tendo se soltado da cremalheira por rotura do bucim. Foram construídas duas chapas de inox para segurar o cabo junto á cremalheira através de duas abraçadeiras. Efectuamos uma saída técnica para comprovar que tudo estava bem.

4º Episódio: Avaria nos cabos do Leme
No dia 20 de Setembro ás 07H00 saímos de Porto Calero rumo à Costa Portuguesa, com vento fraco vaga pequena mas incomodativa. Por volta das 23.00h enquanto o estava Alberto Afonso a fazer o quarto, ouviu-se um estalo e a retranca passou para o outro bordo, tínhamos cambado! Passei para manual e tentei corrigir o rumo mas a roda do leme estava solta, estávamos sem comando do leme. Gritei para o Eduardo que dormia e pedi-lhe ajuda para ir buscar a cana do leme de reserva enquanto eu tentava aliviar o impacto da retranca nos brandais segurando na escota e enrolando a genôa.
Com o barco já controlado pelo Eduardo e pelo Rui, fui investigar o sucedido, e constatei que as braçadeiras que tínhamos usado para reparar o cabo de transmissão do comando do leme, tinham cedido ao esforço soltando-se do seu suporte.
Estava eu com um alicate de pressão (grifo) a endireitar as chapas de inox que tínhamos construído para fixar o cabo, que ficaram tortas com o rompimento das braçadeiras, enquanto pensava onde e como é que iria arranjar outras mais fortes que as que se tinham partido quando, “se acendeu a tal luz interior “e perguntei-me, ”porque é que eu não aperto o cabo às chapas de suporte com o alicate de pressão e deixo-o lá? Da ideia á acção foi um instante, até a reforcei com a aplicação de outro alicate que o nosso skiper tinha na sua bagagem de emergência. Acabada a reparação, passámos á prova real, e… maravilha! tudo funcionava correctamente, ufa! que alivio para todos a bordo.
Em seguida ainda montei uns arames e umas madeiras para travar e limitar a oscilação dos alicates, que acontecia sempre que havia movimento nos cabos para correcção do rumo, ficou óptimo!
Entretanto tinha chegado o quarto do Eduardo G. que ficou com o Rui R., enquanto me fui deitar, embora sem conseguir dormir, pois passei algum tempo a observar o ligeiro movimento de vaivém dos alicates e a pensar que a reparação podia não durar muito. Porque razão ficámos sem leme? Só porque um dos cabos soltou o bucim da cremalheira? Fiquei intrigado! Passado algum tempo novo alarme, estávamos novamente sem Piloto Automático. Fui ver, e o problema estava na roda dentada exterior do motor do PA, que transmite o comando à roda do leme através de uma corrente de bicicleta. Pois é! O escatél tinha-se passado e a roda estava solta em relação ao veio do motor. Dois parafusos, uma lima e um martelo resolveram o problema, finalmente podíamos descansar.
De manhã e após ter conseguido dormir algum tempo, constatamos que a “engenhoca” se tinha aguentado. Depois do reconfortante pequeno-almoço, tentei convencer os meus colegas de viagem a voltar a colocar a cana do leme e a desligar o Piloto Automático. A finalidade era de poder fazer uma pesquisa ao sistema, e em especial ao outro cabo, que era uma suspeita partilhada entre mim e o Eduardo. No entanto a restante tripulação não concordou, tendo em conta que estava tudo a funcionar bem… Ok! Aceitei na condição de se fazer uma escala técnica, no local mais conveniente na Costa de Marrocos.

5º Episódio - Confirmação da suspeita.
Chegámos a Rabat de manhã, muito bem recebidos após termos avisado por rádio a nossa chegada, fomos encaminhados até á Marina. Enquanto os meus companheiros foram aos balneários, fui fazer a tal investigação ao sistema que nos tinha dado tanta preocupação.
Em análise, a nossa suspeita estava fundamentada, o outro cabo estava solto dentro da sua cremalheira devido á porca que o fixa á barra da mesma ter-se desapertado na totalidade estando o cabo de comando do sistema completamente desligado do mesmo. Podemos portanto concluir, que o cabo que se soltou da cremalheira, arrasando a rosca do bucim de ligação, foi originado pelo esforço de estar a suportar sozinho todo o trabalho da condução do leme, visto que o outro cabo estava solto talvez já á algum tempo.

Conclusão: Feitos os ensaios finais, todos concordámos que a roda do leme estava como já á algum tempo não se sentia, sem folgas e assim o PM entrou em merecido descanso e trabalho reduzido.